domingo, 8 de janeiro de 2012

Sobre Ambivalência

Para minha Pequena Graça.


— Você, por exemplo, me comeria?

Aquela pergunta me soou um tanto escabrosa. Quase me engasguei com a minha bebida. Absinto no meio da tarde de uma quinta-feira, veja você. Preciso parar com essa mania de beber todo dia. Mas é tão difícil abrir mão do meu drinque de fim da tarde. Então, eu simplesmente não abro. E agora aquele homenzarrão ali, na minha frente, segurando minha mão e fazendo uma abordagem daquele tipo, que de tão grotesca, beirava a obscenidade. Pedi outra dose para ganhar tempo e coragem de levar o papo adiante. Poderia entrar na onda e dizer que sim, e depois sair pela tangente alegando estar bêbada. Mas achei que seria escroto por demais da minha parte fazer a dissimulada com um assunto tão delicado para ele. Fiz-me de desentendida, então:

— É uma retórica, certo?

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Bagatela

"Amor é quando mamãe vê o papai suado e mal cheiroso e ainda fala que ele é mais bonito que o Robert Redford." – Chris, criancinha americana avulsa, 8 anos.


Esta é uma história de amor. Ou sobre o amor? Tanto faz. Amor não faz sentido, mesmo. E, por isso, ela também não precisa fazer e tem todo o direito de estar confusa e embaralhada. Amém.


IV


Decidiram que não se veriam mais.

Mas o que fazer, então, daquele amor? Aquela vontade súbita e inapropriada de olhar o cheiro, cheirar as mãos, tocar os olhos, cheirar a boca de quem se ama. Nada é pior do que um amor mal amado, pensaram enquanto voltavam para suas vidas de lágrimas e solidão. Estavam abafando aquele sentimento, mas era impossível fazê-lo deixar de existir. Então, a fim de se consolarem, inventavam para si que tudo o que viveram não tivera valor algum, que foi só uma besteira de pouca relevância e logo passaria. Mas não funcionava. Saíram do bistrô arrasadas, com os corações destruídos e a certeza de que seriam infelizes para sempre. E ao chegar a casa essa certeza só estava mais viva dentro delas.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Deuteronómio

Para Dona Rosa, a dona do meu coração insolente.

Entrou na reunião de pais aflita, esperando no mínimo uma hecatombe. Sentou-se naquela cadeirinha de criança apertada e ficou esperando pelo pior. O ambiente de uma sala de aula do curso da pré-escola pode ser bem hostil, quando nada ali combina com o temperamento do seu filho. Aquelas letras alegres penduradas no teto, aqueles lápis de cor espalhados, aqueles números falantes no mural. Tudo muito bonitinho, lúdico, didático... Disciplinado, isso, disciplinado era a palavra certa! Extremamente hediondo, isso sim... Seu filho jamais se submeteria àquilo, ah, não mesmo. Aguardou a professora se aproximar e começar a contar as tragédias, os desastres nucleares e ambientais, os ataques terroristas orquestrados por ele. Chegara atrasada, os pronunciamentos gerais já haviam terminado. Seria ele expulso da escola, processado na esfera cível e criminal? Poderia responder em liberdade? Só tinha cinco anos! Era esperar para ver.

Epílogo

Ela estava ali, ao lado de Luma, rindo com um canto da boca, aquele ar sarcástico. Mas não parecia mais melancólica. E realmente não estava. Era sua auto-estima. Encarava Luís Carlos como quem encara um algoz. Ele notou que havia ainda algo a mais de diferente naquela mulher, desde a última vez em que se viram. Parecia que faltava algo. E realmente faltava. Era a tristeza. Um belo dia ela fez as malas e se mandou. Como quem sai pra comprar cigarros e não volta nunca mais.